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Nós iniciamos uma série de artigos com o Tema: conhecendo o dispensacionalismo. No artigo de hoje falaremos sobre o surgimento do dispensacionalismo e aos poucos iremos trabalhando ponto a ponto em artigos futuros. Então vamos começar. Se você não leu o artigo anterior onde fizemos um resumo do dispensacionalismo, clique aqui.

O SURGIMENTO DO DISPENSACIONALISMO

John Nelson Darby (1800 — 1882) é considerado por muitos como o pai do dispensacionalismo. De fato, este homem foi o primeiro a sistematizar e ensinar o dispensacionalismo como um sistema teológico de interpretação bíblica. Mas a verdade é que Darby não estava buscando inventar “um novo método”. Ele não recebeu nenhuma revelação especial. Ele era um homem comum, como você e eu, estava apenas preocupado em interpretar a Palavra de Deus da melhor forma possível.

O problema é que em sua época, na primeira metade do século XIX, a igreja controlava regia a “fórmula correta” para se interpretar as Escrituras Sagradas. Mesmo com a reforma protestante, iniciada no ano de 1517 e consolidada em 1647 com a Assembleia de Westminster, a igreja e o estado ainda se confundiam. Assim sendo, um rei ou líder religioso poderia ditar o que era certo e errado quanto a interpretação bíblica.

O gatilho para o surgimento do Dispensacionalismo

Darby cresceu exatamente nesse ambiente onde os detentores da verdade bíblica eram os sacerdotes e o alto clero da igreja. Insatisfeito com isto, Darby saiu do anglicanismo e encontrou um grupo de irmãos que se reuniam com o único propósito de ler, orar, meditar e compartilhar a palavra de Deus. Esse grupo, mais tarde, ficaria conhecido como “os irmãos de Plymouth”.

Tão cedo, Darby passou a ganhar notoriedade entre estes “irmãos”, pois ele era muito estudioso e habilidoso em manusear as Escrituras Sagradas. Nessa mesma época, John Nelson Darby percebeu que muitos textos das Escrituras Sagradas, especialmente os textos proféticos do Antigo Testamento com relação à restauração de Israel, não poderiam ter uma interpretação “alegórica” como era de costume na tradição reformada de onde viera. Essa percepção de Darby se somou ao ressurgimento do milenarismo futurista (pré-milenismo histórico) e do movimento sionista que passava a tomar cada vez mais forma. Tudo isto acabou convergindo em sua tese sobre a visão dispensacional da história bíblica.

O conflito entre Darby e a Teologia Reformada

Embora o entendimento de que a história pudesse ter algumas “dispensações” não era algo novo naqueles dias, a visão de John Nelson Darby trazia conteúdos novos e conflitantes com a teologia reformada. Três características da teologia de Darby mudaram para sempre a história da interpretação bíblica.

  • A primeira característica é a grande ênfase na distinção entre a nação étnica de Israel e a Igreja.
  • A segunda é a tese de um arrebatamento pré tribulacional da Igreja (antes da Grande Tribulação).
  • A terceira é a ideia de um grande intervalo de tempo entre a 69ª e a 70ª semana de Daniel (Dispensação da Graça).

As maiores implicações do pensamento de Darby, naquele momento, eram escatológicas… é justamente por isso que o dispensacionalismo ficou extremamente marcado como se fosse uma “teoria escatológica”. Mas, a verdade, é que o dispensacionalismo era uma cosmovisão e, Darby, sem saber e sem querer, acabou mudando a história da interpretação bíblica.

A interpretação Bíblica na mão do povo

Alguns dizem que Darby entregou a interpretação bíblica na mão do povo. Antes de Darby e da sistematização do dispensacionalismo, apenas os conhecedores dos documentos de fé da história da igreja e os intelectuais acadêmicos das universidades podiam discutir e desenvolver as doutrinas bíblicas. Darby sempre lutou contra isto, mesmo quando ele estava no anglicanismo. Com o dispensacionalismo, Darby entregou “a leitura natural ao povo”. Assim sendo, não era mais necessário uma faculdade para que você pudesse ler a bíblia e compreendê-la. Bastava apenas você fazer uma leitura sincera, guiada pelo Espírito Santo; buscando o sentido natural do texto. E então você teria o sentido real das Escrituras Sagradas.

O dispensacionalismo, já na sua origem, caminhava em direção diametralmente oposta à confessionalidade da fé reformada. Em outras palavras, enquanto a fé reformada estava fundamentada em uma “tipologia” e “teologia da substituição”, onde a Igreja é o Israel de Deus. Já o dispensacionalismo falava de “dois planos” e “dois propósitos” que Deus tinha para a humanidade. Um para a nação de Israel e outro para a Igreja. Eram dois pensamentos extremamente conflitantes, duas ideias totalmente antagônicas.

A fundamentação e popularização do Dispensacionalismo

Em menos de 60 anos, o dispensacionalismo caiu como uma luva para dois outros movimentos que surgiram no início do século XX. O primeiro movimento foi o avivamento da rua Azusa ocorrido em 1906. O segundo movimento foi o fundamentalismo, consolidado em 1909. Não seria nenhum exagero dizer que já em 1909 a teologia americana era fundamentalmente dispensacionalista. Além disso, neste mesmo ano, Scofield lançou sua Bíblia de Estudos, o que ajudou a popularizar o dispensacionalismo no mundo todo — esta foi a primeira bíblia de estudos produzida em massa para pessoas comuns. Outro ponto fundamental para a guinada do dispensacionalismo como o principal sistema de interpretação bíblica entre a maioria dos cristãos evangélicos foi a fundação do Instituto Bíblico Moody no ano de 1886 e o Instituto Teológico de Dallas, fundado em 1924.

Em síntese, podemos dizer que em menos de 100 anos de sua sistematização, o dispensacionalismo já era a crença comum entre quase todos os cristãos que se poderia conhecer ainda na primeira metade do século XX. E o panorama foi ainda mais favorável na segunda metade do século XX. Isso porque a maioria das obras literárias, rádios americanas e missionários passaram a compartilhar, doutrinar e disseminar os pensamentos dispensacionalistas.

Concluindo

É notável olhar para a história e perceber que o dispensacionalismo simplesmente aconteceu. Não foi algo planejado, não foi algo orquestrado… e em menos de 100 anos se tornara a doutrina mais crida e ensinada. O dispensacionalismo foi fruto de seu tempo. Fruto da busca por uma hermenêutica sadia, que fosse fiel aos textos bíblicos relacionados às profecias sobre a nação de Israel no Antigo Testamento. No entanto, o surgimento do dispensacionalismo foi em meio a tempestades e turbulências. E assim como a teologia reformada passou, e ainda passa, por diversas revisões e ramificações; o dispensacionalismo também sofreu suas modificações ao longo dos tempos.