No campo da escatologia, um tópico constantemente debatido é a doutrina do arrebatamento da Igreja. Desde que o apóstolo Paulo escreveu a Primeira Epístola de Tessalonicenses – possivelmente o primeiro livro do Novo Testamento a ser escrito, embora este posto também seja discutido em relação às Epístolas de Tiago e Gálatas – muitos questionamentos têm sido levantados a respeito desta doutrina. Perguntas como “Quando acontecerá?”, “Que sinais o precederá?” e “Quem realmente será arrebatado?” são muito comuns nas igrejas do Brasil todas as vezes que este assunto é abordado. Este artigo abordará o questionamento mais comum sobre a doutrina do arrebatamento da Igreja, que é exatamente a pergunta “Quando acontecerá?”.
O arrebatamento é um fato bíblico, e isto foi demonstrado no artigo “O que é o arrebatamento?”. Todavia, há pelo menos três pontos de vista sobre o momento em que o arrebatamento acontecerá. Os nomes dados a cada uma destas três visões são: pré-tribulacionismo, meso-tribulacionismo e pós-tribulacionismo. Todas recebem o nome “tribulacionismo” porque indicam que a doutrina do arrebatamento está intimamente relacionada à doutrina da Grande Tribulação. Agora, os prefixos “pré”, “meso” e “pós” dizem respeito ao momento: se antes da Grande Tribulação (pré-tribulacionismo), se no meio da Grande Tribulação (meso-tribulacionismo) ou se após o fim da Grande Tribulação (pós-tribulacionismo).
O ensino pré-tribulacionista é muito recente na história da Igreja e remonta os dias de John Nelson Darby – o pai do dispensacionalismo – quando passou a ser um teólogo extremamente ativo na Inglaterra por volta de 1827. Foi Darby quem propôs pela primeira vez a ideia de um arrebatamento pré-tribulacional, dizendo que a Igreja seria removida do mundo antes do início da Grande Tribulação que teria relação tão somente com a nação de Israel. Estas conclusões de John Nelson Darby estavam fundamentas em pelo menos duas premissas. A primeira premissa é a de que a nação de Israel e a Igreja são duas entidades distintas nos planos de Deus para a humanidade: Israel é o povo terrenal de Deus e a Igreja é o povo celestial de Deus. A segunda premissa de Darby é a literalidade das profecias: isto significa que tudo aquilo que está escrito para o futuro escatológico de Israel deverá se cumprir literalmente; assim como cada profecia a respeito da primeira vinda de Cristo se cumpriu cabal e literalmente. A consequência lógica destas duas premissas de Darby foi a doutrina do arrebatamento da Igreja antes da Grande Tribulação, já que para ele a Grande Tribulação seria uma profecia para a nação de Israel. Evidentemente, há muitos outros argumentos usados tanto por Darby quanto por todos os dispensacionalistas que o seguiram. O objetivo deste artigo, no entanto, é ser um breve panorama sobre cada uma das três visões.
O meso-tribulacionismo é uma perspectiva escatológica que pode ser considerada uma variante do pré-tribulacionismo, uma vez que foi adotada por muitos dispensacionalistas, que, inicialmente, eram predominantemente pré-tribulacionistas. A ideia do arrebatamento no meio da Grande Tribulação, segundo essa visão, está embasada no fato de que os três primeiros anos e meio da Grande Tribulação (7 anos) será um período de paz. Os outros três anos e meio (segunda metade) da Grande Tribulação será um período de intensa perseguição e guerra contra o povo de Deus; mas a Igreja não está destinada à ira (1Ts 1.10; 5.9). Sendo assim, o povo celestial de Deus que não foi destinado à ira será arrebatado (removido) deste mundo; mas o povo terrenal (Israel) passará por este período profetizado em Daniel (capítulo 9).
Talvez haja dois motivos principais que fizeram com que alguns dispensacionalistas deixassem o pré-tribulacionismo e migrassem para essa posição meso-tribulacionista. O primeiro motivo é que o pré-tribulacionismo recebeu intensas críticas e rejeição da teologia reformada em seu surgimento, sendo caracterizado como uma heresia. O segundo motivo é que o meso-tribulacionismo pareceu, segundo os seus defensores, uma solução que melhor harmonizava os textos bíblicos sobre o livramento e proteção que a Igreja terá nos últimos dias, com a ideia de que a linguagem profética fala de santos passando pela Grande Tribulação. A conclusão lógica e inevitável, segundo os meso-tribulacionistas, é a ausência da Igreja apenas no período final da Grande Tribulação, caracterizada justamente por uma grande aflição que jamais houve ou haverá outra igual no mundo.
Já o pós-tribulacionismo defende a ideia de que o momento da Segunda Vinda de Cristo e o arrebatamento da Igreja serão eventos concomitantes, ou seja, ocorrerão ao mesmo tempo. Essa visão é considerada a “visão histórica da Igreja por mais de mil e oitocentos anos”, embora haja divergências quanto a isto. Recentemente os pré-tribulacionistas tem encontrado algumas evidências de que alguns cristãos defenderam em algum momento a ideia de um arrebatamento que deveria acontecer antes da revelação do anticristo e do início da Grande Tribulação, Uma destas evidências encontradas pelos pré-tribulacionistas seria a “Carta de Pseudo-Efraim”. Ainda assim, mesmo que Pseudo-Efraim estivesse ensinando um arrebatamento pré-tribulacional em um tempo muito anterior a John Nelson Darby, o argumento dos pós-tribulacionistas permanece de pé: basicamente todos os documentos históricos da Igreja, com exceção a estas ressalvas, ensinaram a ideia de um arrebatamento no final da Grande Tribulação. Em outras palavras, os pós-tribulacionistas argumentam com certa razão que todos os grandes teólogos do cristianismo – desde a patrística até os reformadores – ensinaram uma única perspectiva acerca do arrebatamento da Igreja. E as poucas ressalvas que existem, dizem eles, ou são duvidosas, ou provindas de seitas e grupos heréticos. Por outro lado, não é o tempo de uma doutrina que a valida como verdadeira, mas sim o fato dela estar em conformidade com a Palavra de Deus: o único padrão de fé e prática.
Contudo, ainda que o pós-tribulacionismo seja tão antigo quanto a história da Igreja, é a posição sobre o arrebatamento da Igreja que sofre o maior número de variações. Alguns teólogos têm proposto a divisão do pós-tribulacionismo em pelos menos três tipos: “pós-tribulacionismo clássico”, “pós-tribulacionismo semi-clássico” e “pós-tribulacionismo futurista”. Neste sentido, o “pós-tribulacionismo clássico” e o “pós-tribulacionismo semi-clássico” seriam as formas de pós-tribulacionismo que alegoriza, ou espiritualiza, as questões proféticas com relação à Grande Tribulação. Já o “pós-tribulacionismo futurista” seria a forma de pós-tribulacionismo mais atual, defendida especialmente pelos pré-milenistas históricos, isto é, pelos pré-milenistas que não são dispensacionalistas. Em outras palavras, o “clássico” e o “semi-clássico” seriam as posições mais associadas às Escolas Escatológicas do pós-milenismo e do amilenismo, enquanto o “futurista” seria a forma de pós-tribulacionismo defendida por todos os pré-milenistas não dispensacionalistas (pré-milenistas históricos) e por alguns amilenistas.
Porém, prefiro fazer uma outra divisão: “pós-tribulacionismo tradicional”, “pós-tribulacionismo futurista” e “pré-ira”. Neste sentido, o “pós-tribulacionismo tradicional” engloba o “clássico” e o “semi-clássico”, visto que não são tantas as diferenças entre essas posições. O “pós-tribulacionismo futurista” é essa forma de pós-tribulacionismo mais sistematizado e robusto, solidificado após o advento do pré-tribulacionismo que trouxe novos paradigmas para o debate hermenêutico. Já o “pré-ira” talvez seja a variante mais recente dentre todas as visões sobre o arrebatamento da Igreja. Além disso, o pré-ira talvez merecesse ser contado como uma “4ª visão”, já que os defensores do pré-ira têm argumentado que esta posição seria o verdadeiro resgate do posicionamento dos pais da igreja – que alguns estão chamando de “intra-tribulacionismo”. Quanto ao posicionamento dos pais da igreja, é difícil denominá-la, porque certamente eles criam que estariam passando pela perseguição do Anticristo (Grande Tribulação) no momento do arrebatamento. Apesar disso, eles também criam que Deus os livraria dos juízos mais severos que haveriam de ser derramado sobre o mundo; e neste sentido, o movimento pré-ira parece estar realizando um grande empenho para manter essa perspectiva. Por isto, pretendo deixar uma análise mais profunda do esquema “pré-ira” para um outro artigo.
Em resumo, o pós-tribulacionismo é a visão de arrebatamento mais antiga, ensinada também pelos pais da igreja. O pré-tribulacionismo só foi proposto de forma robusta depois da mudança do paradigma hermenêutico causado pelo dispensacionalismo, que aplicou a metodologia histórico-gramatical também às questões proféticas e eclesiológicas. Já o meso-tribulacionismo é uma posição minoritária, pouco defendida atualmente, e que se apresenta como uma tentativa de conciliar a discussão havida entre os pós-tribulacionistas e pré-tribulacionistas a partir da segunda metade do século XIX.
O debate em torno da doutrina do arrebatamento da Igreja sempre será acalorado e só terá fim no dia do arrebatamento. Atualmente, a maioria dos cristãos parece acreditar na forma pré-tribulacional do arrebatamento, enquanto apenas aqueles dentro do círculo reformado mantêm a visão pós-tribulacionista, que pode ser rastreada desde os primeiros documentos escritos da Igreja cristã. Os defensores do meso-tribulacionismo ocupam uma parcela menor nessa discussão, e alguns argumentam que essa posição é de pouca relevância, uma vez que os meso-tribulacionistas, em geral, derivam ou compartilham premissas iguais ou similares ao dispensacionalismo. Essa diversidade de perspectivas reflete a complexidade do tema e a interpretação diversa no campo da escatologia, o que continuará gerando divergências entre os estudiosos e fiéis em relação ao momento em que o arrebatamento deverá acontecer.