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A alma afugentada, um breve comentário no Salmo de número 11.

“No SENHOR me refugio. Como dizeis, pois, à minha alma: Foge, como pássaro, para o teu monte? Porque eis aí os ímpios, armam o arco, dispõem a sua flecha na corda, para, às ocultas, dispararem contra os retos de coração. Ora, destruídos os fundamentos, que poderá fazer o justo? O SENHOR está no seu santo templo; nos céus tem o SENHOR seu trono; os seus olhos estão atentos, as suas pálpebras sondam os filhos dos homens. O SENHOR põe à prova ao justo e ao ímpio; mas, ao que ama a violência, a sua alma o abomina. Fará chover sobre os perversos brasas de fogo e enxofre, e vento abrasador será a parte do seu cálice. Porque o SENHOR é justo, ele ama a justiça; os retos lhe contemplarão a face”. Salmo 11.1-7

O salmo de número onze é um texto dividido em dois parágrafos. O primeiro do versículo 1 ao 3, Davi dá uma resposta para aqueles que estavam à sua volta e mostra o motivo das suas indagações. Os versos 4 a 7 que formam o segundo parágrafo, falam sobre como Deus, dos céus, traz a consequência aos homens dos seus atos.

Resumidamente o salmo relata o diálogo entre o justo Davi e aqueles que são próximos a ele, no qual ele demonstra a confiança que tem em Deus diante das tribulações da vida. Os ímpios estão à espreita, a maldade no ponto de vista social é grande. Parece que o mal sempre sai vitorioso e que a impiedade sempre suprime a justiça. Deus, todavia, prova o justo e o ímpio e dá a paga a cada um. O ímpio sofre condenação, enquanto o justo pode desfrutar da presença de Deus.

11.1 – A RESPOSTA DE DAVI ÀS INDAGAÇÕES.

Um dos fatos interessantes com respeito a este salmo, é que Davi não o inicia com um discurso e nem mesmo uma pergunta (como o ocorre por exemplo nos salmos 2,10,13 e 15). O início se dá já com uma resposta imediata. O que o verso sugere é que pessoas à sua volta estavam lhe aconselhando a fugir para os montes diante das perseguições que estavam acontecendo. Apenas para nos adiantar o pensamento, vários problemas sociais estavam acontecendo e ele, como um justo, estava sofrendo perseguições (sejam elas físicas ou morais). Por este fato, a sua alma estava afligida e havia apenas uma maneira de alcançar a paz. Por isso sua resposta já é imediata: “No Senhor me refugio”.

“O refúgio é um lugar de paz,
não de tormenta”

O refúgio como podemos notar pelo significado da palavra, é um lugar onde se encontra confiança, proteção, amparo, ajuda, auxílio, um lugar onde se escapa dos perigos. Não é um local de tormenta, mas de paz. É um lugar onde a alma pode descansar. Naturalmente por causa das preocupações do dia a dia nós sempre queremos nos refugiar. Nossa casa se torna o nosso lugar de refúgio quando as tarefas e as preocupações no trabalho nos atacam. Não é incomum ouvir a frase: “estou precisando de férias”. Em outras palavras, essa afirmação parte de um coração que já está cansado e exausto pela rotina atarefada. Ou seja, estamos sempre atrás de um lugar de refúgio.

A resposta de Davi é contrastante com os conselhos que lhe foram dados. Na tradução da bíblia “NVT”, as palavras do versículo 1 estão da seguinte forma: “Por que, então, vocês me dizem: Voe para os montes, como um pássaro”. Os conselhos eram para que Davi se ausentasse, procurasse um lugar de refúgio. Por isso, ele já respondeu a essa questão dizendo: “No Senhor eu me refugio”.

“Nós passamos por tribulações,
mas para onde devemos fugir?”

Desde já podemos perceber o seu grande ensinamento que será discorrido no texto. Nós passamos por tribulações, problemas sociais, injustiças, injúrias, mas para onde devemos fugir? Aonde nós podemos buscar auxílio? A única resposta cabível é: “Em Deus”.

Isso nos parece óbvio a primeiro momento. Mas a pergunta que faço é: você busca o auxílio na presença de Deus, ou tenta se afugentar dos problemas encontrando outros meios de conforto? Digo isto porque como pecadores, nós queremos buscar o conforto não em Deus, mas no pecado. Para o ímpio, o lugar de refúgio será encontrado no cigarro, na bebida, na prostituição, nos jogos de azar, em drogas ilícitas, na pornografia, no adultério, na fornicação, em remédios, nas festas carnais, no sono, em filmes, em suas tão sonhadas férias, ou até mesmo no suicídio.

Todas estas coisas servem como refúgio. Eis o motivo pelo qual os bares e boates estão lotados às quartas feiras, mas as Igrejas vazias. Não é porque falta evangelização, mas porque o homem não quer alcançar o refúgio que vem de Deus, mas na falsa confiança que o pecado traz. O justo está propenso a cair em pecado, a diferença é que ele busca fugir de todas estas coisas e encontrar seu auxílio em Deus. É por isso que Davi inicia seu salmo apresentando a verdade de que nosso coração jamais encontrará descanso “nos refúgios terrenos”, mas no Senhor.

11.2-3 – O MOTIVO DOS CONSELHOS.

Já destacamos que Davi visa responder aos conselhos que havia recebido daquelas pessoas que estavam próximas a ele, mas a pergunta que fica é: por que ele havia recebido tais conselhos? Qual o motivo pelo qual Davi é orientado a fugir?

O primeiro motivo é: “Os ímpios estão preparados para destruir os retos de coração”.

A linguagem utilizada nos apresenta como que um arqueiro que prepara a sua flecha para o combate. Ou como um caçador que já se prepara para abater a sua presa. O seu arco já está armado[1], a sua flecha já está na corda, seu único gesto restante é soltar a corda para que atinja seu alvo. O objetivo dos ímpios é a destruição dos justos.

Nos salmos anteriores temos o mesmo plano de fundo, onde os ímpios buscam de qualquer forma destruir a vida dos justos. Seja literalmente com as perseguições que são feitas, através das tentativas de destruir a boa reputação do justo, ou até mesmo inventando mentiras a seu respeito. O que o salmo nos indica é que diversos problemas estavam acontecendo e que eram graves, a ponto dos justos sofrerem por causa destas questões.

O segundo motivo é: “Os ímpios buscam destruir os fundamentos”.

Essa expressão está ligada ao fato de que os fundamentos da sociedade estavam sendo quebrados, destruídos. Vale ressaltar que quando olhamos para o contexto da vida do povo de Israel, os fundamentos pelos quais eles estavam vivendo era a “Lei”. Existiam leis cerimoniais e leis civis. O que nos leva a pensar, é que os ímpios não cumpriam com as leis civis, e encaravam os justos (os retos de coração) como que “pedras no sapato”. Uma vez que os justos cumpriam a Lei, eles eram empecilhos para que o ímpio continuasse com as suas injustiças.

Quando olhamos para este cenário, não nos é estranho pois, até hoje aqueles que visam andar na lei sofrem por causa dos que não a cumprem. Injustiças sociais ainda acontecem, perseguições aos cumpridores da lei também. Assassinos, estupradores, ladrões, sonegadores, injuriadores, malfeitores e toda sorte de homens ímpios estão à solta, enquanto os justos padecem em suas mãos. O texto diz que “às ocultas” eles buscam atacar os “retos de coração”. Em outras palavras, eles fazem de tudo para que a sua injustiça não seja vista diante dos homens. Ao cometer um crime às ocultas, estão quebrando os fundamentos, as leis que regem e que deveriam ajudar aqueles que são retos.

11.4 – DEUS ESTÁ SEMPRE ATENTO.

Tendo em vista todos os problemas ocorridos, Davi passa a mostrar o motivo pelo qual a sua alma descansa. E o motivo é: Deus está sempre atento.

Os ímpios estão às ocultas procurando destruir a vida dos justos. Eles descumprem as leis e vivem impunes. Todavia, uma coisa é fato, nada foge aos olhos de Deus. Ele está sempre atento e seus olhos estão sempre ativos. Os olhares da lei podem até falhar e ficarem nublados pela escuridão, mas os olhos de Deus sempre estão atentos.

“Deus é como um rei que constrói o seu
palácio nos lugares altos da cidade.
Todas as coisas estão ao alcance dos seus olhos”

O texto nos diz que “O Senhor está no seu santo templo”. Ele não se ausenta jamais e não pode haver um momento em que o Senhor desvia o seu caminho. Além disso, o seu trono está nas alturas. É como um rei que constrói o seu palácio nos lugares mais altos da cidade. Todas as coisas que acontecem abaixo estão ao alcance dos seu olhos. Nada foge ao seu controle. O Senhor é o soberano, seu trono está nas maiores alturas. Essas são as características do seu olhar. Ele não dorme, mas fica sempre vigilante. É como um soldado na torre de vigia, o qual está sempre a observar qualquer movimentação existente nas proximidades do reino.

Ainda, o texto nos diz que “as suas pálpebras sondam os filhos dos homens”. A palavra sondar significa examinar minuciosamente. Nada passa despercebido aos olhos de Deus e Ele observa os homens nos mínimos detalhes. É como um cirurgião que precisa observar cada detalhe em uma operação. Ou um ourives que fica atento ao fabricar uma joia. Claro que todas as ilustrações possuem suas limitações, mas a ideia do texto é mostrar que Deus vê todas as coisas, conhece todas as coisas e nada escapa da sua visão. Sejam as injustiças que são feitas às ocultas, ou aquelas em que a própria lei não tem poder de solucionar (pois os fundamentos já foram destruídos).

11.5a – JUSTOS E ÍMPIOS SÃO COLOCADOS À PROVA.

A justiça Divina não é como a justiça humana. A justiça humana se tornou falha e  manchada pelo pecado. Mas Deus não pode pecar, Ele é o que está no seu santo templo,  portanto, todos são colocados por ele à prova. Por conhecer tudo e a todos nos mínimos detalhes, todos estão debaixo dos julgamentos divinos. É importante observar um detalhe no texto que nos indica que absolutamente todos estão debaixo dos testes divinos. “O Senhor põe à prova ao justo e ao ímpio”. Essa sentença está ligada ao fato de que Deus retribui a cada um segundo as suas obras.

Não existe qualquer injustiça da parte de Deus. Não haverá momento em que o ímpio dirá: “Estou sendo condenado, pois o justo não foi da mesma forma examinado”. O Senhor não olha apenas “um lado da moeda”. Ele encara ambos os lados com os mesmos critérios. Na lei (ao menos na teoria), apenas são julgados e sentenciados aquele que são transgressores. Todavia, quando se trata do julgamento divino, todos são alvos.

11.5b-7 – A RECOMPENSA QUE CADA UM RECEBE.

Em primeiro lugar “O ímpio recebe a total desaprovação de Deus”.

O texto nos diz que “ao que ama a violência[2], a sua alma abomina”. Olhando para o contexto do salmo, a palavra violência poderia também ser traduzida como injustiça. O ímpio ama a violência, a injustiça. Ele se deleita no fato de que pode causar o mal para outras pessoas. Isso quebra completamente um dos maiores mandamentos de Deus, a saber: “Amar o próximo como a si mesmo”. Olhando para as Escrituras de um modo geral, podemos perceber que aquele que não ama a seu irmão, também não pode amar a Deus (I João 4.20). Sendo assim, se ele não ama a Deus, passa a ser seu inimigo. O texto, portanto, nos diz: “a sua alma abomina”, mostrando que Deus não pode amar aqueles que amam a injustiça. O ímpio está debaixo da ira de Deus.

Em segundo lugar “O ímpio só pode experimentar da parte do Senhor a condenação”.

Inevitavelmente a parte que cabe ao ímpio é a condenação. Esse é o único salário que pode receber pelos seus feitos. A menos que se arrependa, a condenação é certa. Sem dúvida o versículo seis nos lembra as terríveis cidades de Sodoma e Gomorra, às quais por falta de arrependimento, foram destruídas pelo fogo. O fim dos ímpios se dará através da destruição e do fogo. Por serem inimigos de Deus, o fogo da ira divina os consumirá.

Em terceiro lugar, “Deus é justo e ama a justiça”.

O texto faz um contraste entre a injustiça e condenação dos ímpios, em paralelo à justiça e bênção do justo. Enquanto Deus odeia a injustiça, só pode demonstrar amor à justiça. Isso nos faz contemplar novamente a santidade daquele que está sobre o “Santo Templo”. Nele não pode haver pecado, pois a santidade faz parte essencial do seu ser. Da mesma forma que não pode repudiar a justiça, pois faz parte da sua essência o amor e a justiça.

Em quarto lugar, “Os retos de coração contemplarão a face de Deus”.

A última expressão do salmo retrata o maior prazer que o justo pode desfrutar, que é contemplar a face do Grande Rei.

Olhando para a lustração utilizada, é notável o fato de que nem todas as pessoas poderiam chegar até ao chefe supremo do estado. Existia uma série de burocracias e passos que deveriam ser seguidos para que um súdito pudesse “contemplar a face do rei”. Seja para lhe fazer um pedido, conceder um desejo ou suplicar por alguma causa, a figura do rei era respeitada e praticamente “divinizada”. Por isso nos é apresentado o fato de que os justos contemplarão a face de Deus. Pois, ele ama a justiça.

CONCLUSÃO

Observando todos os detalhes, a que conclusão podemos chegar?

Os justos sofrem nas mãos dos ímpios, sofrem injustiças, padecem nas mãos daqueles que amam a destruição. Existem várias outras coisas que podem nos causar canseira, espanto, desânimo, mas uma coisa é fato, não devemos buscar a solução dos nossos problemas “fugindo para os montes”. Em outras palavras, não devemos permitir que as coisas deste mundo desviem nosso olhar do Senhor. Como afirmou Davi: “No Senhor me refugio”. Precisamos buscar conforto, consolo, ajuda e sustento em Deus. Nosso coração precisa descansar no Senhor. Como o próprio Jesus afirma: “Vinda a mim todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei”.

Os justos tem a bênção de ver a face do Senhor. Para contemplar a face do “Rei dos reis” a única exigência é a justiça. E Cristo é a nossa justiça. Em outras palavras, só podemos chegar diante da presença do “Grande Rei” se apresentarmos a justiça de Seu Filho. Em Cristo, podemos nos refugiar no Senhor. Sem Cristo, nos resta apenas a condenação e miséria.

Agostinho diz: “Fizeste-nos para ti, e o nosso coração anda inquieto, enquanto não descansar em ti”. Concluindo, a alma que se afugenta no Senhor, encontrará eterno descanso.

[1] “Armado”. Literalmente pisar em um arco para que fique curvado. Palavra usada para designar o fato de que o arqueiro precisa em primeiro momento encurvar seu arco e colocar a corda.

[2] “violência”: dano, crueldade, injustiça.

Diego Batista

Diego é fundador do site Firme Fundamento. É Bacharel em Teologia pelo Instituto Bíblico Maranata, e Ministério Eclesiástico pela UNIFIL. Casado com Bianca e pai do Benjamin